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A Luta Feminina pela preservação do Primeiro Clube Negro de São Paulo

Feita por Gisele Leitão Farias e Marina Rosa Larrubia


Kelly Cristina da Silva, Joana de Cássia Prudêncio e Kate Regina da Silva ressuscitaram o Clube 28 de Setembro com a gestão mais feminina da história.


O Clube 28 de Setembro, localizado na cidade de Jundiaí, São Paulo, foi fundado apenas 7 anos após a abolição da escravatura no Brasil, em 1895 - período que não existia no país espaço de lazer para a comunidade negra. Somente 110 anos depois da sua fundação, a liderança do clube foi empossada por mulheres, que se empenharam em resgatar a notoriedade de um clube por muitos anos apagado.


Criada no clube 28, a advogada Kelly Cristina foi a primeira mulher a empossar o cargo de presidenta do clube, em 2005, após prometer ao seu tio, no leito de morte, que faria de tudo para manter o clube de pé. “A minha bisavó participava do clube, meus pais se conheceram lá e meu tio, Salvador Marques da Silva, foi o presidente mais jovem do clube, com 18 anos de idade. Eu tenho uma vivência de criança, meu lugar de passeio e encontro com a comunidade negra foi dentro do clube.” afirmou Kelly.


Junto com ela, a diretoria também era formada pela assistente social Joana de Cássia, vice-presidenta do clube, pela terapeuta Kate Silva, Diretora Social Cultural e primeira Tesoureira do 28 e pela Secretária Geral e Tesoureira Valéria de Paula. Nos 3 anos de gestão, essas mulheres negras na faixa de 20 anos se comprometeram a resgatar a credibilidade do clube negro mais antigo do estado de São Paulo e que, naquele período, estava praticamente inexistente para o governo muncipal da cidade de Jundiaí. Antes dessa gestão, o clube nem mesmo recebia subvenção da prefeitura para manter suas atividades.


“O clube, quando nós entramos na gestão, tinha uma situação financeira bastante complicada, tinha algumas dívidas, sem condições de receber recursos públicos, sem certidão de tributos. Voltamos a administração para regularizar a situação do clube.

No final da gestão, conseguimos zerar as dívidas e inscrevemos o clube no edital do projeto ponto e cultura.” comentou Joana Prudêncio.


O clube 28 é um lugar histórico que representa a luta de uma comunidade que ansiava por escrever a própria história e gozar dos mesmos direitos que qualquer cidadão branco tinha durante o período pós-abolição. Ele nasceu num cenário ameaçador para a comunidade negra, e construiu seu alicerce na resistência de um pequeno grupo de ferroviários negros - Zacarias de Góes, Abel Branco, Domingos Marques e Antônio Brito - que sabiam da importância de existir um lugar de lazer, educação e diálogo político para um povo que era ameaçado de extinção no Brasil pós-escravatura.


ALÉM DO LAZER, RESISTÊNCIA

Apesar de ocuparem a diretoria do clube mais de 100 anos após sua constituição, a luta dessas três mulheres negras permaneceu a mesma daqueles ferroviários, e foi por meio dessa luta ancestral que o clube realizou ações culturais, educacionais e políticas marcantes para a população negra da região de Jundiaí. “No estatuto do clube já tinha por menção nos princípios, não só promover o lazer da população negra na época, mas também um fator político e educacional. Na gestão da Kelly se retomou um olhar político do 28.” mencionou Kate Silva.


Kelly e Kate são irmãs de sangue, e a vivência delas está totalmente entrelaçada à história do clube. Era ali que as famílias negras se encontravam, dançavam e também tinham a oportunidade de desenvolver sua formação educacional. Em gestões precedentes, o 28 de Setembro foi sede de uma escola de datilografia e de projetos de alfabetização de jovens adultos, o que contribuiu com a formação das pessoas negras e com a sua inserção no mercado de trabalho.


Kelly e Kate fizeram parte da comissão jovem do clube na adolescência. Foi nesse contexto que as primeiras mulheres que vieram a administrar o clube anos depois, cresceram. “O Clube 28 é identidade, um senso de pertencimento.” complementa Kate ao falar do significado do clube para ela.


RECUPERAÇÃO DA MEMÓRIA E VISIBILIDADE DO CLUBE


Durante sua gestão na diretoria do clube, essas mulheres conseguiram regularizar a situação financeira da associação, o que possibilitou o recebimento de recursos para a sua continuidade. Além disso, recuperaram registros históricos do clube 28 de Setembro, o que foi essencial para manter viva a memória e importância do lugar.


“Em 2013 eu peguei todas as fotografias dos 28 que estavam no clube, num cantinho onde tinha uma goteira, levei tudo pra minha casa, cataloguei tudo, e o Sr.Medeiros (José Medeiros) e o Sr. Noni (Luiz Antônio Saldanha) me ajudaram a elucidar todas essas fotos, pois muitas não tinham legenda. Então montamos os álbuns desde a origem do clube até meados de 2018; Foi um trabalho de 6 meses até colocar todos os álbuns em dia e isso pra mim foi memorável.” relembrou Kate.

Joana, Kate e Kelly tiveram também um papel importante para unir a comunidade em prol da luta por manter o clube como um símbolo de resistência negra, inclusive os jovens. Na época de sua gestão, o clube tinha muitos frequentadores. Além dos bailes de idosos às quartas e domingos, duas vezes por mês eram realizadas atividades para a juventude, bailes de nostalgia e muitas vezes eram organizadas festas e churrasco com música ao vivo. Todos esses eventos colaboraram com a preservação do 28 e ajudaram a levantar capital para mantê-lo.




Kate ainda disse em entrevista que a diretoria sabia da importância de recuperar os projetos com a juventude. “Quando eu fui da diretoria cultural, nós tivemos a colaboração de alguns parceiros e foi possível durante um ano fazer um trabalho com os jovens, que se apresentaram no final do ano. Isso foi muito marcante pra mim, por ter percebido o impacto que isso teve na juventude da época.” menciona.


Kate, Kelly e Joana faziam parte da comissão de organização e participavam de todos os eventos dos clubes negros no Brasil. Viajaram para mais de 7 estados em busca de recuperar outros clubes negros, que sofriam com a falta de investimento, dentro outros problemas que inviabilizavam sua existência.


“Nesses encontros, era debatido o que deveria ser feito para que os clubes crescessem e se desenvolvessem. Tinha muitos clubes fechados na época. Faziamos pesquisas com os presidentes dos clubes negros do interior e eramos responsaveis em resgatar esses clubes no interior e São Paulo.” Kelly complementa.


A EVASÃO DA JUVENTUDE


Em entrevista, as 3 mulheres afirmaram ter sido necessário um enorme esforço durante sua gestão para regularizar a situação financeira do clube. Os processos burocráticos eram essenciais para tornar o clube uma instituição apta a receber recursos do governo - o que era fundamental para a continuidade das atividades da associação.

Apesar desse trabalho realizado, atualmente o clube 28 de setembro não recebe muitos recursos financeiros e nem está recebendo novos associados. Se encontra com poucas atividades realizadas e, em comparação com as gestões anteriores, não tem tantos frequentadores. Atualmente, o clube nem mesmo está listado como Espaço Cultural no Plano Municipal de Cultura da cidade de Jundiaí. A ex-vice presidente Joana afirmou ser uma dificuldade atrair o público jovem para o clube.


“O clube perdeu tração, pois o que gera fluxo são os bailes de quarta e sábado, porém são destinados só para terceira idade, não atingem o público mais jovem. [...] Eu acho que o clube deveria tentar atrair um público mais jovem, pois as pessoas vão ficando mais velha e se ocupam com outras coisas na vida.”


Leonardo Henrique da Silva, de 22 anos, cresceu no Clube 28 de Setembro, seu pai dava aula de rock-samba e sua mãe é ex-presidente. Por este motivo, ele tem proximidade com a história do local, porém afirma que os jovens da sua idade não conhecem o clube ou sabem de sua importância e legado.


“Muitas pessoas da minha idade não sabem do Clube 28, nem onde fica ou sua história e importância. Eu só sei porque eu cresci lá, devido a influência dos meus pais.

Eu acredito que hoje o objetivo do clube não é mais posto em prática.”




Segundo o jovem, atualmente o clube se encontra “abandonado”, pois não toma mais conhecimento sobre festas ou eventos - o objetivo da associação se perdeu e deveria voltar a ter bailes que reúnem a sociedade negra.


"Atualmente, eu vejo o clube como um lugar abandonado. Não sei mais de festas ou eventos. O clube 28 setembro é uma segunda casa para mim. Eu gostaria que ele voltasse a ter aulas de dança, inglês, informática, baladas black e que o usássemos novamente como um espaço do nosso povo preto”, afirma Leonardo.


É inegável a dificuldade em manter ativos os clubes sociais negros no Estado de São Paulo e pelo resto do Brasil - não somente o Clube 28 de Setembro. A falta de participação e captação da juventude para esses espaços é somente um dos empecilhos para a continuação das atividades e crescimento dos clubes.


Segundo um mapeamento realizado pelo Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) em 2015, há mais de 150 clubes sociais negros no país. Porém, há uma grande concentração na região Sul e Sudeste, enquanto nenhum clube aparece nas demais regiões, o que mostra um possível apagamento das associações. Apesar desse mapeamento, podem existir clubes ainda não “formalizados” judicialmente. Essa falta de regularização da situação das associações, as inviabiliza perante o Estado e inviabiliza políticas públicas para suporte a apoio às suas atividades. Também por este motivo, muitos seguem desaparecendo e sendo leiloados, devido às dificuldades para se manterem.


Em entrevista, Kelly, Joana e Kate concordam que a evasão dos jovens do clube é um dos diversos fatores que dificultam a preservação e o progresso do mesmo, fazendo com que esse grande símbolo da resistência negra do Estado de São Paulo novamente comece a cair no esquecimento. A ex-diretora Kate Silva ainda tem esperanças. “Eu gostaria que o clube fosse uma super-potência. Que a gente possa retomar essa proximidade com a juventude no futuro, o clube tem que continuar com a história.”




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