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Acesso limitado à educação política no Brasil causa “analfabetismo político”

Atualizado: 3 de nov. de 2022

Baixa representatividade de minorias nas articulações públicas também é um problema


Por: Heidy Orui


Especialistas ressaltam que a desigualdade social e educacional é um dos principais motivos para a falta de conhecimento da população sobre o assunto


Cerca de 53% dos brasileiros têm interesse alto ou médio na política brasileira, segundo dados da pesquisa “Panorama político 2022: opiniões sobre a sociedade e a democracia”, do Instituto DataSenado. No entanto, apesar de parecer um resultado positivo, o percentual apresentou queda em comparação ao levantamento realizado há dez anos.


Ainda de acordo com o estudo, a principal razão para o desinteresse é a falta de conhecimento sobre o funcionamento do sistema político brasileiro. Para Isabel, o motivo para a baixa compreensão é a ausência de ensino sobre o tema nas escolas.


“Acredito que a escola tenha responsabilidade nisso, mas não posso dizer que é a única responsável. Em um contexto de fácil acesso à informação através da internet, eu sinto a carência de ter interesse sobre o assunto. Acredito que o papel da escola seria justamente o de incorporar esse interesse, tornando o debate e o estudo da política algo intrínseco no cotidiano acadêmico”, declara.


Além disso, os entrevistados da pesquisa indicaram, ainda, outro motivo para a falta de educação política entre os brasileiros: os atores políticos. Segundo os grupos focais pesquisados, os próprios políticos não se interessam em oferecer maneiras para ampliar o acesso ao conhecimento sobre política.



Educação Política


A educação política pode ser definida como um processo de transmissão de informações e conhecimentos cuja finalidade é disponibilizar ao cidadão um repertório que lhe permita compreender as nuances dos debates políticos no Brasil e no mundo. Ou seja, informar a população sobre como funciona a política no Brasil para que elas possam exercer a cidadania através de uma participação ativa.


De acordo com uma matéria publicada pelo site Politize em 2016, deveriam ser ensinadas nas escolas:


  • Informações básicas sobre a estrutura do Estado: os Três Poderes e como se relacionam, o papel de cada cargo político, etc.

  • Bandeiras políticas: não se limitando à esquerda, direita e centro, mas também os demais movimentos dentro de cada um deles;

  • Desconstrução de visões negativas sobre política: Muitos brasileiros hoje, principalmente os jovens, acreditam que a política é algo "chato" e desinteressante. Esse tipo de visão desestimula os cidadãos a participarem da democracia.


Analisando esses pontos, já é possível perceber a importância da educação política para o exercício da cidadania.


Mas, existe educação política no Brasil?

Em uma entrevista cedida para o jornal Daqui BH em 2021, o cientista político Ademar Ferreira Martins afirmou que o Brasil carece de um projeto de educação básica e que a falta de educação política é um reflexo da falta de educação básica.


Rafael Moreira, Doutor de Ciências Políticas pela USP, diz que a falta de qualificação dos professores é um desafio para a educação política no Brasil. "A gente não tem um quadro grande de professores no nosso país que tenha alguma formação em ciências políticas, sobretudo porque seria a principal fonte de informação a respeito de educação política." afirma.


Além do despreparo dos professores, Moreira aponta que a falta de apoio das escolas também é uma dificuldade, bem como encaixar o tema na grade horária dos alunos. "São poucas escolas hoje em dia que reconhecem a importância de uma educação política para os jovens", diz.


Analfabetismo funcional e desigualdade de acesso à educação


O Analfabetismo Funcional pode ser definido como a incapacidade de, mesmo sabendo ler, compreender e interpretar textos e ideias e fazer operações matemáticas. Alguns estudos estimam que cerca de 29% da população brasileira seja analfabeta funcional (cerca de 62 260 000 brasileiros).


Mesmo com a grande quantidade de brasileiros sendo analfabetos funcionais, Rafael Moreira não acredita que o analfabetismo funcional possa ser uma grande dificuldade na educação política. “A pessoa pode ser considerada um analfabeto funcional, mas ao mesmo tempo conseguir ter uma reflexão super abstrata sobre alguns pontos sobre a política nacional.”


Rafael também ressalta que um dos principais problemas é a desigualdade no acesso à educação. Segundo a PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua) publicada em 2019 pelo IBGE, cerca de 72,6% da população maior de 25 anos no Brasil não possui Ensino Médio completo. E 17,4% não possui Ensino Superior completo.


Fonte: IBGE, Diretoria de Pesquisas, Coordenação de trabalho e Rendimento, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua 2012 - 2019



“Tem que levar em conta também que, mesmo que a pessoa consiga acesso ao Ensino Médio, talvez ela atravesse o Ensino Médio Inteiro sem acesso a essa discussão que a gente ‘tá’ tendo sobre educação política”, afirma Moreira.


Interesse Político


Outra dificuldade seria o desinteresse da própria população pela política. De acordo com a pesquisa Juventudes e democracia na América Latina desenvolvida por Esther Solano, professora de Relações Internacionais da Universidade Federal de São Paulo - UNIFESP e Camila Rocha, cientista política e pesquisadora do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento - CEBRAP, aponta que o interesse político entre os brasileiros. A pesquisa ainda ressalta a diferença entre desinteresse e apatia política, a primeira seria a indiferença sobre qualquer assunto político e a segunda seria uma descrença nas instituições. "... a descrença é a desconfiança profundas que os jovens têm nas instituições das democracias realmente existentes não significam, necessariamente, falta de adesão ou comprometimento com os valores democráticos."

Outra pesquisa, Panorama Político 2022 publicada em Março de 2022 pelo DataSenado, aborda o interesse dos brasileiros pela política e os principais meios de informação política que utilizam. O panorama mostra que 53% da população apresenta interesse alto (18%) e médio (35%).


Fonte: Panorama Político 2022 - DataSenado


O estudo apontou também que a principal causa de existir baixo interesse pela política para os outros 47%, seria a falta de compreensão do sistema político. "Os participantes atribuem o baixo nível de conhecimento à deficiência no sistema de ensino, que não transmite informações sobre o funcionamento da política de forma clara." afirma o estudo.

Para Rafael Moreira, o que atrapalha a educação política não é a falta de interesse, mas a falta de espaço para a discussão do tema. “O jovem se interessa de fato por política. Ele não encontra canais de diálogo onde ele possa tirar dúvidas, trocar ideias, formar sua opinião, mudar de opinião e também encontrar pessoas dispostas a fazer isso.” afirma.

Os resultados do Panorama Político 2022 mostram que a maior parte da população, principalmente os mais jovens, se informa sobre política pelas redes sociais e pelas principais fontes de notícias. Dentre as redes sociais, o Facebook ganha em primeiro lugar com 35% de preferência.


Fonte: Panorama Político 2022 - DataSenado



Fonte: Panorama Político 2022 - DataSenado


Moreira ainda indica algumas estratégias para aumentar o interesse político:


  • Implementação da educação política nas escolas pelos Governos Federal, Estaduais e Municipais;

  • Maior participação da Imprensa, não só informando os fatos mas também informando as funções políticas e sobre o sistema eleitoral;

  • Propostas de partidos políticos para promover maiores canais de participação política para as pessoas;

  • Incentivo de participação política em outras esferas como Grêmio Estudantil e movimentos sociais;


Falta de representatividade na política


Há, ainda, outra questão ligada à baixa educação política: a falta de representatividade de minorias no contexto da governança pública. Para a cientista política Sofia Branquinho, o número reduzido de mulheres, pessoas pretas e integrantes da comunidade LGBTQIA+ atuando de maneira ativa e em destaque nas articulações do Estado é uma das principais consequências da pouca difusão do tema.


A especialista ressalta que, devido ao baixo interesse da população em política e, especialmente, o acesso ainda limitado ao tema, os tópicos relacionados à vida política acabam concentrados em grupos específicos da sociedade. Na maior parte das vezes, essa concentração ocorre entre aqueles que já estão familiarizados com o assunto, seja por terem contato através da família ou pelo ensino formal.


Desse modo, não só os conhecimentos ligados à política mantém-se limitados àqueles que já conhecem o assunto, mas também as lutas e necessidades dessas minorias acabam sendo sub-representadas nas discussões políticas. Por outro lado, apesar de ainda não haver equidade entre gêneros, etnias e outros aspectos dentro do cenário político brasileiro, o panorama tem se transformado aos poucos ao longo dos últimos anos.


Para Rafael, alguns processos sociais, principalmente relacionados às mulheres, têm feito com que o número de minorias cresça na política. “Se observamos o perfil da classe política brasileira, conseguimos notar um aumento na proporção de pessoas do sexo feminino, transsexuais, pretos e pardos, ainda que esteja muito aquém do que gostaríamos”, afirma.









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