No 17º Simpósio de Comunicação, especialistas discutem algoritmos, bolhas
virtuais, checagem de notícias e a importância da regulação eleitoral da internet
Texto: João Galdino, Filipe Pereira, Lavínia Caparroz e Kamilly Neris
O 17° Simpósio de Comunicação ocorreu no auditório Pe. Tiago Alberione, na Fapcom - Foto: Heloísa Trindade
Durante os dias 20 e 21 de agosto, a FAPCOM (Faculdade Paulus de
Tecnologia e Comunicação) realizou 17º Simpósio de Comunicação, que
abordou a desinformação como estratégia de manipulação do comportamento
humano. O evento contou com a presença de alunos, professores e
especialistas nas áreas de algoritmos, bolhas virtuais, checagem de notícias e
fake news no processo eleitoral, temas que movimentam o trabalho dos
comunicadores da atualidade.
No primeiro dia, o professor Alan Angeluci, doutor em Ciência com Ênfase em
Sistemas Eletrônicos da USP (Universidade de São Paulo) integrou a mesa
“Como os Algoritmos Guiam Nossas Vidas?”. Com o enfoque em três estudos
que abordam a percepção de assuntos de interesse público nas redes sociais,
Angeluci exemplificou situações em que as pautas são absorvidas por outros
tópicos, principalmente quando propagadas por perfis que não são
relacionados à imprensa. Segundo o estudioso, essas contas possuem grande
influência, o que levanta o alerta da contribuição na desinformação, seja por
uso de conteúdo enganoso, sátiras e paródias.
O professor também citou a formação das bolhas sociais que as redes virtuais
estimulam e como os mecanismos das Big Techs (empresas de tecnologia) de
Comunicação contribuem para a manutenção desses grupos. O principal
argumento de Angeluci é de que o acesso à informação democrática também
abriu espaços para debates que geram monetização com as bolhas e dentro da
ideia da desinformação, o que provoca a falsa sensação de controle sobre o
que se consome nas redes digitais, quando, na verdade, há uma mediação
constante, “humana e não-humana”, do que é visto com os algoritmos atuando
de formas desconhecidas.
O professor Alan Angeluci destacou como algoritmos nas redes sociais podem desviar a atenção de temas relevantes e potencializar a desinformação. Foto Autoral: Monise Souza
Ao ilustrar perfis e comportamentos das plataformas digitais, o pesquisador
alertou sobre os fatores éticos que se ausentam na atuação dos algoritmos,
uma vez que atendem a interesses maiores do que apenas indicar conteúdos
personalizados aos usuários. Também mostrou como algumas redes virtuais
possuem um maior fluxo de debate sobre uma pauta, mas que, ao mesmo
tempo, não têm a mesma qualidade na relevância do assunto debatido, o que
influencia também na maneira que os usuários reagem e recebem o assunto
em discussão.
Com a apresentação desses tópicos, o cientista levantou questionamentos dos
espectadores acerca de como as mediações responsáveis estão sendo
renunciadas nas redes virtuais e como lidar com a opacidade dos algoritmos e
a situação da checagem de informações. Destacou ainda a importância do
combate a desinformação e o que falta para ser efetivo. “Hoje, a gente já tem
condições, no campo da pesquisa, de entender em que cenário estamos. Falta
vontade do mundo político para que a gente possa combater e enfrentar de
verdade. Porém, é um assunto complexo, pois a desinformação interessa
alguns atores políticos e das elites econômicas.”
Na mesma linha de pensamento, o jornalista Wilian Miron, editor de notícias no
Broadcast da Agência Estado, do Grupo Estado/Estadão, abordou ideias como
o atual cenário jornalístico na era de consumo. Um dos principais pontos
levantados pelo especialista é o fato de o leitor desfrutar de um espaço de
opinião e liberdade abrangente com o advento das redes sociais, o que não
ocorria no jornalismo clássico. “A imprensa não é mais só para quem tem
prensa”, afirmou, ao ressaltar a nova realidade, que afeta também a atividade
dos jornalistas, por conta da criação de blogs e portais on-line”.
Na avaliação do cientista político, esse contexto tem pontos negativos, pois
“outras pessoas, grupos, eventualmente políticos, conseguem fazer a sua
página e divulgar as suas informações, às vezes, usando uma roupagem
jornalística, com conteúdo que, na verdade, distorce ou até desinforma
completamente”.
Miron ressaltou que o jornalismo profissional é essencial nesse cenário, uma
vez que “monta um cardápio de notícias”, organizando as informações mais
relevantes e interessantes em um espaço onde todo o tipo de assunto pode ser
comentado por qualquer usuário. Para o jornalista, isso exige a credibilidade
dos profissionais, alcançada por meio da publicação de notícias baseadas em
princípios éticos e técnicos. Mas algumas das barreiras dos profissionais da
área são a necessidade de investimento elevado e constante, a concorrência
com veículos “não oficiais”, além de o Brasil possuir baixos índices de leitura.
Segundo o especialista, o trabalho jornalístico passa por um processo nas
mídias atuais: a “fragmentação”, que seria decorrente do aumento da criação
de veículos virtuais independentes por jornalistas que já atuaram na grande
mídia. Para evitar a desinformação, Miron defendeu que a prática jornalística
deve prevalecer com os seus princípios e valores primordiais, com o dever de
criar condições para que os leitores se conscientizem para acessar
informações de qualidade em quaisquer meios.
ELEIÇÕES E CHECAGEM - Na manhã da quarta-feira (21), o advogado Diogo
Rais, professor e juiz substituto do TRE-SP (Tribunal Regional Eleitoral de São
Paulo) destacou os desafios para combater as fake news nas eleições. Após
contextualizar sobre as dinâmicas na atualização da legislação brasileira e
abordar a regulação do uso da Internet nas duas últimas décadas, Rais
observou as transformações tecnológicas e comportamentais que levam à pós-
verdade. “Nos últimos anos, as eleições se tornaram o grande motivo para
olharmos para esse fenômeno de transformação da Internet”, afirmou, ao
enfatizar que o único órgão capaz de punir os propagadores de desinformação
política, o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) também é alvo de fake news. “Ao
julgá-los (os infratores), gera a impressão de vingança e não de justiça”.
Foto autoral: Giuseppe Capaldi
Segundo o jurista, desde 2009, ano em que o direito eleitoral passou a atuar
em prol da regularização da Internet em época de eleição como forma de
combate à desinformação, o TSE produziu mais de cem normas que
regulamentam o ambiente digital. Ainda assim, o professor reforçou a
desconfiança por parte da população brasileira que considerou as falsas
informações sobre as urnas eletrônicas divulgadas relacionadas ao pleito.
Ao elucidar as mídias sociais como principais meios de propagação das
notícias falsas, o professor afirmou que excluir a Internet para acabar com a
desinformação não é o melhor caminho. Segundo o estudioso, o problema das
fake news é, na verdade, financeiro, pois quem as propaga ganha dinheiro com
a difamação, tornando a desinformação um grande negócio. “As plataformas
são quase co-autoras do conteúdo por meio do algoritmo. O mundo se reduziu
a sua timeline. A gente também tem responsabilidade como usuário, mas não
somos os únicos culpados”, explicou o advogado.
Ao lado do juiz, a jornalista e professora Bárbara Libório, atual diretora de
conteúdo do Instituo AzMina, continuou a discussão na mesa “O combate à
desinformação nas plataformas digitais”. Especialista na área de checagem de
dados, ela compartilhou ideias sobre como combater informações falsas nas
mídias sociais e reforçou a importância de conscientizar a população sobre os
perigos das notícias enganosas. “A desinformação tira vidas, e a mais perigosa
é aquela que gostaríamos que fosse verdade, apesar de não ser. As
informações possivelmente credíveis são as mais perigosas”.
A jornalista também tratou sobre a responsabilidade individual na propagação
de informações falsas e ressaltou os canais que reforçam esse comportamento
social. “Quando recebemos um link em um grupo de WhatsApp, nos tornamos
detentores daquela informação, e é de nossa responsabilidade escolher se
vamos divulgá-la ou não”.
Na avaliação de Bárbara, esse fenômeno, que não é atual, se tornou ainda
mais desafiador na contemporaneidade porque reforça as crenças, os
estereótipos e o “viés de confirmação” da sociedade. “Quando a gente fala de
gênero e raça, a gente fala de desinformação em um contexto que segue
colocando mulheres e pessoas não brancas em caixinhas e lugares que são
potencialmente muito danosos e preconceituosos.”
A professora reforçou a importância de o jornalista trabalhar com um olhar mais
humanitário, sobretudo para evitar a reprodução das imagens categorizadas.
Segundo ela, essa seria uma alternativa para combater a polarização que
estimula a linha do discurso de ódio tão comum nas mídias sociais. “Além do
nosso trabalho como comunicador, de checar a informação e mostrar que ela
existe, há o nosso trabalho como ser humano. Devemos olhar para esses
vieses estruturais que a gente tem e se colocar no lugar de combater a
desinformação e o discurso de ódio”.
A jornalista destacou a responsabilidade individual na disseminação de informações falsas nas redes sociais. Foto autoral: Ana Carolina Carvalho
Supervisão: Profa. Rita Donato
Equipe fotografia: Monise Souza,Monise Souza, Gabriel Santos,Ana Carolina Carvalho,Heloísa Trindade e Camilly Pinheiro.
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