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Pingue-pongue de ritmos e artes com Jess Nascimentto

Jess cedeu um pouco de seu tempo para explicar sua paixão pela arte e a dança - sua história é uma emoção e inspiração


Por: Rayane Macedo, Karina Benevides e Eduardo Kuntz Fazolin


Entrevistamos a dançarina, coreógrafa e professora, Jess Nascimentto, que recentemente

participou como atração da Bastet Festival, evento internacional de música, dança e artes

urbanas, além de estar representando o Brasil em diversas competições na Europa. O amor e interesse pela arte é mais do que perceptível - e apaixonante.


A professora de Waacking, originária de Ribeirão Pires, possui diversas

experiências no mundo artístico, ocasionadas por sua paixão pela dança. Já visitou mais de

10 países para participar de eventos e competições, foi linha de frente da Vai-Vai, coreógrafa da rede SBT, dançarina da cantora Majur e participa do projeto Turmalinas

Negras — grupo de dança formado apenas por artistas pretas.



Como foi o processo para você conseguir estar na Europa atualmente? Quais os principais festivais que você está participando?


Jess: Foi convite de uma mentora minha que eu conheci aqui na Europa, da outra vez que

eu vim. A gente fala que é old generation das danças urbanas, é muito respeitada.

Aí ela falou assim pra mim: "Você precisa vir nesse ano”. Pois esse ano foi o primeiro ano "depois" da COVID-19. Eu já estava planejando para vir, mas ia esperar mais

um pouco pois estava sem dinheiro. Eu tinha o objetivo de ir para um festival que eu já

assisti, que é o Summer Dance Forever, um dos maiores eventos de danças urbanas e está na Europa. Eu tinha guardado uma certa quantia dando aulas online durante a pandemia e aí todo esse dinheiro foi para o objetivo de voltar para Europa de novo. Só que aí ela me perguntou quanto faltava para pagar a passagem, aí eu falei a quantia e então ela conseguiu inteirar um certo valor. Assim, consegui vir.


Eu vim com o propósito de ir a alguns eventos para estudar, para fazer networking, para

mostrar a cena do Brasil; são poucas pessoas que conseguem sair, principalmente

mulheres pretas, falando outra língua também, então é difícil para uma pessoa que não tem

acesso a tanto estudo. É uma resistência.


Eu quero ser uma profissional para além do Brasil e, para isso, eu tenho que sair do país.

Então eu vim para alguns eventos, algumas competições específicas do estilo que eu

estudo e trabalho no Brasil, um dos estilos na verdade, que é o Waacking. Defender essa

bandeira brasileira porque a cena é pequena nosso país... Ainda são poucos e tenho que

defender meu nome também. Esse foi meu primeiro objetivo para vir.


Para além disso, [quero] fazer aulas, conhecer o mercado da dança, conhecer cultura e

também buscar oportunidades enquanto estou aqui. A minha intenção também é conseguir

alguns trabalhos, eu vou fazer residência em Lyon na semana que vem. Residência é um processo artístico durante um certo tempo com coreógrafos, essa residência vai acontecer com dois coreógrafos muito grandes na França. Estou fazendo meu movimento, participando de competições. É muito caro vir, é muito caro estar nesses eventos e já que estou aqui fazendo acontecer, estou dando as caras.


Quando você era criança, você já tinha imaginado estar onde você está? Quais serão os seus próximos passos?


Jess: Quando era criança minha vontade era viajar. Meus pais, minha irmã nunca saíram

do país. [Mas] eu nunca tive essa expectativa de que isso poderia se tornar possível, nunca vi ninguém da minha família realizar isso. Quando fiz 15 anos, meu pai perguntou se eu queria [uma] festa de debutante e eu falei que não, [pois] eu queria juntar dinheiro para

viajar. Quando decidi meu nome artístico com 14 ou 15 anos, eu já pensei em usar um nome em que poderia ser falado em qualquer lugar do mundo.


Eu comecei a dançar com 13 ou 14 anos, e com 15 já tinha decidido que queria trabalhar com dança. Aprendi inglês muito nova também. Aos 16, eu assisti uma companhia no Brasil e hoje eu vou fazer uma residência com o coreógrafo dela. A partir disso, eu decidi que queria trabalhar com uma companhia, [porque] eu gosto muito de estar em cena. O mercado da companhia está na Europa, tem muitas companhias que abraçam corpos diferentes, o que já é diferente no brasil, pois muitas têm corpos estereotipados, com pessoas brancas, cis. Aqui [na Europa] tem a presença de africanos também.


Eu vi que você começou a dançar por conta de um projeto cultural. Assim, queria te perguntar a sua opinião sobre o incentivo à cultura no Brasil. Como você se vê nesse

espaço?


Jess: No brasil é muito importante os projetos sociais, tem vários, principalmente

periféricos, que incentivam a cultura, que abrem espaço para pessoas amadoras. O projeto

que eu entrei, João Roncon (Arte em Movimento), tinha que ter nota boa na escola, então isso incentivou meus estudos também. Esses projetos são uma forma de manter a cultura do Brasil viva porque a nossa cultura tem muita diáspora africana e ela é passada pela oralidade, então você precisa praticar muito ela para ela poder passar de geração para geração. Se não tem incentivo à cultura, muita coisa se perde, inclusive ela própria. Um país sem cultura é um país morto. Para mim arte é política, meu corpo é político. Arte é informação também.


"Um país sem cultura é um país morto. Para mim arte é política, meu corpo é político. Arte é informação também.”

No Brasil é muito difícil o incentivo, tem alguns projetos, alguns editais, mas a

competitividade é muito alta para pouca verba, inclusive não tem mais Ministério da Cultura.

Aqui em Paris, para os artistas que moram aqui na França é diferente. É assim: você

comprova o tanto que você trabalhou, as horas e afins e envia isso para o governo. No ano seguinte, o governo te reembolsa tudo isso, ou seja, você pode ficar um ano sem trabalhar, só criando. Tem vários incentivos aqui também. As pessoas daqui consomem muita cultura e isso vem da educação. No Brasil é muito difícil porque ou você faz o corre para trabalhar como artista, mas ao mesmo tempo você tem que estudar o que você está fazendo. Então tem que fazer aula de dança, ao mesmo tempo tem que treinar o seu físico, porque você tem que treinar aquilo que você está vendendo ou o que você quer criar. Tem que conseguir pagar seu aluguel e nem sempre vai ser com arte, vai ser com outra coisa.


Como a pandemia afetou você?


Jess: Foi produtiva para mim, eu produzi muito. Voltei para a casa da minha mãe, comecei

a dar aula online, comecei a estudar marketing e produção cultural. Aí depois comecei a

coreografar para comerciais de TV. Tudo isso na pandemia. Fiz muitas performances. Então a pandemia foi produtiva para mim, mentalmente foi desgastante, mas foi produtiva, inclusive foi o período em que eu consegui juntar dinheiro para vir para cá. Teve uma ajuda do governo, foi legal porque eles facilitaram alguns editais na pandemia, consegui pegar alguns editais e esse dinheiro que veio do governo ajudaram os artistas a se manterem pelo menos até o final de 2020/21. Comecei faculdade de educação física (EAD) na pandemia também, mas tranquei para vir para cá. Não dá para pagar aluguel, faculdade e viagem.


Qual a importância da dança e da arte para você?


Jess: Ela é importante em várias áreas da minha vida. No começo, ela foi importante para

ser uma atividade física e cultural. A dança foi muito importante para minha autodescoberta

como um todo. Desde criança eu me identifiquei com o Hip Hop e porque eu me identifiquei

com o Hip Hop? Porque era algo da minha personalidade. Depois, me identifiquei com

Waacking e por quê? Porque também era algo que falava comigo. Através do Waacking eu

comecei a pesquisar outros estilos de dança e através disso fui conhecendo novas pessoas,

novos lugares e isso vai construindo a minha pessoa e isso vai me levando a outros

saberes.

A dança sempre foi um caminho para mim. [Quando] eu cheguei na dança afro-brasileira,

com 19/20 anos, eu comecei a me enxergar como uma mulher negra; porque até então eu

não me via. [A dança] me leva a minha brasilidade, ao meu ser, ao meu eu. A dança foi

importante para eu chegar aqui né, através dela que eu estou fazendo todos os contatos. A

partir da dança comecei a fazer inglês, espanhol, a partir dela comecei a fazer faculdade de

educação física, por causa dela eu trabalho, conheci um monte de gente.


Como o Waacking surgiu na sua vida? Em que consiste?


Jess: O Waacking é uma dança dos anos 70 surgiu em Los Angeles, em um gueto, numa festa que tinha pessoas negras, latinas, não normativas, queer. É uma dança muito performática, de festa. Essa dança meio que morreu ali na década de 70 por conta da aids e aí ela voltou em 2003, em Nova York e aí com isso ele começou a ficar mais popular no mundo, no brasil chegou ali em 2007/009.

Eu vi pela primeira vez no João Roncon, um grupo de meninas dançando o Waacking. No começo, no Brasil, ele se misturava um pouco com vogue, mas são totalmente diferentes. Waacking é uma dança, vogue é uma cultura e tem uma dança também. Minha maior dificuldade na dança eram os braços. Aí o tempo foi passando, vi o Felix Pimenta, que hoje é o meu professor também.

Aí eu fui ver mesmo o Waacking em uma companhia de dança em São Paulo, quando eu

tinha 13 para 14 anos. Eu passei nessa companhia, e o Félix estava nela. Lá

tinha a Danna Lisboa, que é uma mulher trans que também treinava Waacking e Vogue. Aí

eu comecei a treinar com eles. Aí eu fui em um evento, que teve a primeira

batalha de Waacking no Brasil, aí eu vi mais gente dançando, então conheci meu professor

Toshiba lá também. Tinha 14 anos e comecei a estudar com os dois. Em 6 meses eu já

estava na minha primeira competição, com 14 anos. Eu fui conhecendo mais pessoas e criando minha maneira de dançar.

Quando estava entrando nessas danças afrodiaspóricas, na dança afrobrasileira, eu vi que

eram muitas pessoas brancas e cis que estavam dançando esse estilo, mas essa dança

(Waacking) vem de uma cultura preta latina. “Eu não sou branca, sou negra”, então a minha

forma de dançar não foi igual. A partir disso fui começando a criar minha identidade.

Durante a pandemia também foi um processo que me ajudou a entender em muitos lugares

e aí comecei a dançar mais música brasileira.


Quais são as suas principais conquistas?

Jess: É muita coisa. Para mim, cada passo é uma grande conquista. Por exemplo, ano

passado eu coreografei uma premiação musical para mulheres chamada WME (Women's

Music Event) onde fizeram um especial com Sandra de Sá e no palco tinha Preta Gil, Paula Lima, Fernanda Abreu. Nessa premiação eu levei mulheres pretas também, dançando um estilo não comercial, o waacking lock. Isso foi uma grande conquista. Por eu ter performado em meu primeiro mês de viagem em Paris. Em 2 semanas e meia de viagem eu dei um intensivo em um programa de educação na Dinamarca. No começo do ano estava trabalhando de assistente de 2 coreógrafos renomados do brasil no carnaval, aí eu fui comissão de frente na Vai-Vai.


Tudo foi uma enorme conquista. Quero daqui a alguns anos ser coreógrafa também. Eu tinha como meta de vida coreografar com quarenta anos e eu comecei a coreografar com 23 então são coisas que são grandes conquistas. Dançar com A Majur, Gabi Amarantos foi uma grande memória. Cada passo é uma conquista para mim.

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